Agatha ChristieResenha

O misterioso caso de Styles — Agatha Christie (#1)

Ainda lembro quando li meu primeiro livro da Agatha Christie. Eu tinha uns nove anos e estava xeretando os livros da minha mãe, até que A Noite das Bruxas saltou aos meus olhos. Claro, eu não tinha idade para aquela leitura, mesmo assim, foi dessa forma que me apaixonei por livros de mistério.

Desde então, Agatha sempre foi figurinha carimbada nas minhas leituras. Recentemente, comprei o livro Dicionário Agatha Christie de Venenos, da Kathryn Harkup, o que fez ressurgir aquela vontade antiga de ler todas as obras da Agatha, em ordem cronológica.


Aqui preciso fazer uma observação. Para estas leituras, vou utilizar uma lista que fiz tendo como base uma lista que encontrei na Wikipédia e no Guia brasileiro da obra de Agatha Christie, publicado pelo maior conhecedor da Agatha no Brasil, Tito Prates.

Na minha lista, tentei considerar ao máximo a ordem de publicação original das obras, mas eu não sou especialista no assunto, podem ter ocorrido algumas divergências na construção da lista, então a ordem pode não refletir exatamente a cronologia de escrita dos livros ou de publicação original (para uma cronologia mais apurada, consulte o guia do Tito Prates, que é completíssimo). Também considerei o título mais usual de publicação no Brasil, já que algumas obras foram publicadas por aqui com mais de um título, a depender da editora e do ano de publicação.

Se você quiser uma outra lista, que é bem completinha e conheci há poucos dias, tem essa aqui do site The Home of Agatha Christie. Ela é muito bonitinha, mas é toda em inglês. Inclusive, esse site é uma preciosidade para quem é fã da Agatha, tem de tudo lá, até desenhos para colorir!


Então, pra começar, li o primeiro livro da Agatha, O Misterioso Caso de Styles, publicado originalmente em 1920, com o título The mysterious affair at Styles. Li a edição em e-book da Globo Livros, mas tenho também a versão brochura da BestBolso.

Você pode acompanhar os artigos completos sobre minhas leituras da Agatha aqui no Medium, e também a versão resumida, mais visual, lá no Instagram. A princípio, vou publicar minhas impressões de leitura mensalmente, sempre na segunda sexta-feira do mês. Também vou tentar não dar muitos spoilers, mesmo que os livros já sejam considerados clássicos e sejam muito conhecidos, principalmente entre os fãs de mistério.

Essas leituras fazem parte de um projeto pessoal de leitura das obras da Agatha, no Instagram você poderá identificá-las pela tag #lplendoagathachristie.

Enfim, lendo O misterioso caso de Styles

Em O misterioso caso de Styles, a história é narrada por Arthur Hastings (sim, o capitão Hastings, que vai aparecer em várias outras histórias). Ao retornar da guerra, ele recebe o convite de um amigo, John Cavendish, para se hospedar em sua casa de campo, Styles Court.

Para contextualizar, estamos falando da Primeira Guerra Mundial aqui, período em que Agatha Christie trabalhou como enfermeira, atuando na farmácia de um hospital (o que lhe concedeu um grande conhecimento sobre remédios e venenos).

Ao chegar em Styles, Hastings vai descobrindo que há uma grande intriga na família. O falecido pai de John Cavendish deixou a propriedade e boa parte da renda para a esposa, madrasta de John e Lawrence, o irmão mais novo. Até aí, não havia problema algum.

Os irmãos tinham um bom relacionamento com a madrasta, Mrs. Cavendish, tanto que a chamam de mãe. O problema é que ela casou novamente e John desconfia que Alfred Inglethorp, o novo marido de Mrs. Cavendish (que agora é Mrs. Inglethorp), apenas casou-se com ela para tirar proveito da herança.

“Um sentimento de vaga desconfiança de tudo e de todos tomou conta de mim. Por um instante, tive a premonição da desgraça iminente.”

Conversa vai, conversa vem, vamos sendo apresentados a muitos outros personagens e descobrindo que praticamente ninguém aprova esse casamento. O mistério realmente começa na fatídica noite em que Mrs. Inglethorp é encontrada morta em seu quarto e, como em todo bom livro de mistério, praticamente todos ali são suspeitos em potencial.

E é aí que entra nosso personagem mais querido: Hercule Poirot. Assim que Hastings percebe que a morte de Mrs. Inglethorp pode não ter sido natural, sai em busca da ajuda de seu amigo Poirot, que por acaso está hospedado perto de Styles Court. Quando Hastings e Poirot unem forças para desvendar o que há por trás dessa morte, a história fica mais divertida.

“Encontrei um homem na Bélgica uma vez, por acaso, um famoso detetive, e ele me influenciou muito. Era um homenzinho extraordinário. Ele costumava dizer que todo trabalho de detetive bem realizado é mera questão de método.”

A dinâmica entre os dois é quase como a de Sherlock Holmes e Watson (resguardadas as devidas diferenças, já que Poirot e Sherlock usam de métodos investigativos completamente diferentes). Hastings tem o desejo de se tornar um investigador, mas é Poirot, que já é um detetive renomado, quem conduz a investigação. Apesar de Hastings buscar inspiração no trabalho de Poirot, sua mente trabalha de forma totalmente diferente, o que faz com que ele duvide muitas vezes da capacidade de dedução de Poirot.

“Uma ideia passou por minha cabeça, e não foi a primeira vez: o pobre Poirot estava ficando velho. Particularmente, achava que ele tinha sorte de ter-se associado a alguém dotado de uma mente mais perspicaz.”

Mas, apesar de ter métodos nada convencionais, Poirot é realmente um grande detetive. Parece que nada lhe passa despercebido. Por vezes, chega a se irritar com Hastings, que não consegue seguir seu raciocínio e acaba ficando perdido na investigação.

“ — Como vê — concluiu com ar triste — , você não tem instintos.
— Era inteligência o que você queria agora há pouco — argumentei.
— As duas coisas frequentemente andam juntas — declarou Poirot em tom enigmático.”

A personalidade de Poirot é marcante. Ele é um tanto excêntrico, pouco ortodoxo em seus métodos, tem uma preocupação excessiva em estar sempre bem apresentável. Chega a ser rabugento em alguns momentos. Seus métodos de investigação são dedutivos, assim, ele conversa com todos os moradores da casa e com os empregados, não descartando uma informação sequer.

“Poirot era um homenzinho de aparência extraordinária. Não tinha mais que um metro e cinquenta de altura, mas impunha-se com grande dignidade. Sua cabeça tinha exatamente o formato de um ovo e ele a trazia sempre ligeiramente inclinada para um lado. Seu bigode era hirto e de aspecto militar. A elegância de suas roupas era quase inacreditável: creio que um traço de poeira causaria nele mais sofrimento que um ferimento a bala.”

Durante a investigação do crime, também somos apresentados ao inspetor Japp, um oficial da Scotland Yard, já conhecido de Poirot e que vai aparecer em diversas obras daqui para frente (e que se mostra um tanto atrapalhado nas investigações). Não vou descrever mais detalhes da investigação em si, apesar de muito interessante.

Agatha foi bem detalhista na trama, que conta até com o esboço da planta da casa, para que o leitor possa visualizar melhor onde os fatos ocorrem. Na edição da Globo Livros, a planta da casa está bem no comecinho do livro, já a edição da BestBolso traz o desenho da planta inserido na história. Como eu não sou uma “leitora detetive”, que fica juntando pistas e tentando descobrir o assassino, consegui me deixar levar totalmente pela mente criativa que Agatha deu a Poirot e a experiência dessa leitura foi ótima.

“A imaginação é boa criada, porém má conselheira. A explicação mais simples é sempre a mais provável.”

Uma coisa curiosa sobre O misterioso caso de Styles é que a história possui dois finais. O original não foi publicado à época da primeira edição do livro, pois o editor que aceitou publicar a história pediu que Agatha alterasse o final. Assim, Agatha reformulou o penúltimo capítulo, alterando algumas informações e mudando o final do livro. Algumas edições, como a da Globo Livros, que foi a edição que eu li, trazem os dois finais.

Leitura complementar

Um grande complemento para essa história é a leitura do oitavo capítulo do livro Dicionário Agatha Christie de Venenos, que citei lá no começo. O capítulo E de estricnina se debruça sobre o caso de Styles, trazendo também um histórico desse veneno, como ele age no organismo até causar a morte e um caso real de assassinato utilizando como arma a estricnina.

A autora faz a observação de que esse veneno foi usado por Agatha em mais quatro de seus romances e em cinco contos. As descrições que Agatha faz do veneno e de seus efeitos são muito precisas, tanto que O misterioso caso de Styles chegou a ser resenhado em uma importante publicação científica da época, o Pharmaceutical Journal, o que deixou Agatha extremamente orgulhosa de sua obra.

Adaptações

O misterioso caso de Styles foi adaptado para televisão, como um episódio da série Poirot (1989–2013). O episódio The mysterious affair at Styles (s3e01) foi ao ar em setembro de 1990, e tem quase duas horas de duração, é praticamente um filme. A série apresenta David Suchet como Poirot, Hugh Fraser no papel de Hastings e Philip Jackson como o inspetor Japp. Infelizmente, não está disponível em nenhum serviço de streaming, por enquanto.

Da esquerda para a direita: Hugh Fraser, David Suchet e Philip Jackson, na série Poirot (IMDB).

Uma curiosidade: como preparação para o papel de Poirot na série, David Suchet leu todos os romances e contos em que Hercule Poirot apareceu, documentando todas as características do detetive belga, não apenas para conhecer melhor o personagem, mas para realmente transformar-se em Poirot.

O livro também foi adaptado para uma série em cinco partes na Rádio BBC 4, em 2005. John Moffat, ator e dramaturgo inglês, interpretou Poirot nas mais de 20 produções para rádio da BBC.


Título: O misterioso caso de Styles (The mysterious affair at Styles)
Autor(a): Agatha Christie
Tradutor(a): Ive Brunelli
Editora: Globo Livros
Páginas: 288
Compre na Amazon clicando aqui.

Nota 4 de 5

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2 thoughts on “O misterioso caso de Styles — Agatha Christie (#1)

  • Ahhh, esse eu consegui acompanhar a leitura!!!

    Achei diferente de todos os romances que eu já li dela até hoje.
    Resolução do crime de forma incrível, como sempre é o estilo dela, e eu adorei!
    Acho bem legal ver a comparação do romance de estreia dela, com os últimos livros. A evolução da escrita da autora, e também como ela se revolucionou criando crimes, artimanhas, armas e venenos diferentes a cada um dos casos.

    Amei a resenha! <3

    Resposta
    • Siiimm!! Esse é um dos motivos pelos quais escolhi ler a obra dela em ordem cronológica: poder acompanhar essa evolução da escrita dela, as mudanças de temas, as mudanças nos personagens. Fico feliz que tenha curtido a resenha! 😉

      Resposta

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