Resenha

O reservatório – David Duchovny

Duas séries que eu adoro são protagonizadas pelo David Duchovny: Arquivo X e Californication. Apesar de a primeira ser a mais famosa e a mais associada à imagem do ator (afinal, quem não olha pra cara dele e não pensa imediatamente em Fox Mulder?), é na segunda que a atuação dele me cativou mais. Em Californication, Duchovny interpreta Hank Moody, um escritor nova-iorquino com uma vida bem “sexo, drogas e rock’n’roll” que tenta se recompor na Califórnia, reconquistar o amor de sua vida e ter um relacionamento melhor com sua filha (esse é um resumo muito, muito resumido). O que eu demorei anos para saber é que Duchovny é um escritor na vida real também.

Foi por acaso que vi o lançamento de O reservatório no Brasil e fiquei muito curiosa pra saber qual seria o estilo dele, sobre o que ele queria falar, o que ele queria contar. Quem acompanha minhas resenhas mais de perto já deve saber que, geralmente, eu leio os livros sem ler a sinopse antes. Quanto menos eu souber do livro, melhor. E, nesse caso foi muito bom, pois se eu soubesse do tema central, talvez tivesse adiado ou até evitado essa leitura.

Acho que é chover no molhado dizer o quão esquisito, traumático ou assustador foi esse período pandêmico. Cada um passou por esse momento de um jeito diferente, alguns de nós sentiram mais, outros menos. Alguns perderam pessoas próximas, outros até chegaram a negar a existência do vírus. Para uns, os dias pareciam se arrastar, para outros tudo parece um grande borrão de lembranças confusas. Não importa como foi e o que passamos, o fato é que nenhum de nós saiu ileso.

Como é tudo é muito recente (apesar de que, em alguns dias, parece que já fazem décadas), fiquei com uma certa aversão às histórias sobre esse período. Já li alguns contos e algumas crônicas falando, cada qual a seu modo, sobre a pandemia, o isolamento social, o medo, a doença, e realmente nada me agradou, não pela competência dos autores, mas porque eu mesma não consigo ainda olhar para essa pandemia sem reviver alguns maus momentos. E eis que eu começo a ler O reservatório e entendo que é uma história sobre a pandemia. Quase desisti, mas ainda bem que não. Acho que era a história de pandemia que eu precisava.


Um redemoinho de solidão, medo e esperança

Ridley é um desses caras de Wall Street, ricaço, agora aposentado e vivendo em um apartamento com vista para o reservatório do Park (é assim que os nativos de Nova Iorque chamam o Central Park, só Park). O vírus fez com ele se isolasse da família (leia-se filha e netos), por medo de morrer dessa doença maluca que ninguém conhecia direito, e, na solidão do seu apartamento, começou a gravar diariamente o reservatório, em time-lapse. Quem sabe virasse um vídeo ao final da pandemia. Achava que podia até ser arte. Ele era apaixonado por aquela vista, aquela imensidão de água no meio do parque, no meio da cidade.

Gravando as imagens diárias da sua vista preferida, Ridley percebe que, no meio da madrugada, uma luz pisca em algum ponto do outro lado do parque. Aquele pisca-pisca o intriga e ele troca o dia pela noite para poder ver com os próprios olhos o que estaria acontecendo. Poderia ser algum tipo de código? Um pedido de ajuda? Um “olá” de algum estranho que estava se sentindo sozinho? E, sem nem perceber, aquela luz piscando ao longe se tornou uma obsessão, algo que passou a preencher os vazios dos seus dias, que o encheu de esperança de encontrar outo alguém, sozinho, como ele. Ridley precisava saber quem estava lá, do outro lado, tentando se comunicar.

Todos os acontecimentos a partir daí se dão em uma mistura entre realidade e delírio. Em algum momento, Ridley tem consciência de que pegou o vírus e está doente. Mas quando isso aconteceu? Até onde os fatos são fatos e não apenas produto alucinatório em decorrência da febre? Quem é aquela pessoa misteriosa? Tudo fica muito intrigante, muito rápido, e os últimos 45% do livro (li no Kindle) li numa sentada, madrugada adentro, porque simplesmente não consegui largar e aguardar até o outro dia por respostas.

No início, demorei a “pegar o jeito” da escrita do Duchovny. Ele escreve de uma forma meio frenética, meio poética, com uma mistura enorme de referências literárias e musicais, e ele joga tudo ali no papel de uma maneira que primeiro parece desorganizada, soa até um pouco pedante em alguns momentos, mas depois de algumas páginas, parecia que eu já estava imersa naquela loucura, naquele jogo de palavras, naquele emaranhado de pensamentos acelerados que vão e voltam, do presente ao passado, do delírio para a realidade. A escrita dele é um furacão e um mar de areia movediça, ao mesmo tempo. Confuso? É mesmo, eu não sei explicar direito. No fim das contas, o saldo é positivo e deixo a recomendação de leitura pra quem quer se aventurar e conhecer um autor que tem um estilo muito próprio.


Duchovny nasceu e cresceu em Nova Iorque e graduou-se em Literatura Inglesa pela universidade de Princeton, com mestrado também em Literatura Inglesa pela Universidade de Yale. Além de O reservatório, escreveu Holy Cow, Bucky F*cking Dent e Miss Subway. Ao final de O reservatório, Duchovny fala sobre algumas de suas inspirações (diretas ou indiretas) para a escrita dessa noveleta: Morte em Veneza (Thomas Mann), A construção (Kafka), The Piazza (Melvin) e O Aleph (Borges).

Um pesadelo ainda é um sonho, não é? E a lição é a mesma — amor e reparação. O que o desastre e a lógica e o sofisma e a história e a política e as fadas rompem, a arte e a imaginação e a generosidade de espírito remendam.


Título: O reservatório (The reservoir)
Autor(a): David Duchovny
Tradutor(a): Tanize Mocellin Ferreira
Editora: Buzz
Páginas: 115
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